27.7.07

APOSTÉMICO

Não me choca haver quem sinta saudades do ditador Salazar. Há gente para tudo, até para a nostalgia de tempos em que respeito era sinónimo de bico calado e liberdade carta fora do baralho. Como disse, há gente para tudo. Até para apreciar melancolicamente a figura do ditador que condenou este país a quase quinze anos de guerra, sob pretexto de que lugares tão portugueses quão Angola, Moçambique e Guiné-Bissau o sejam, eram uma extensão natural do território lusitano. Pois, não me incomoda nem choca existir gente com este tipo de devoções. O que me deixa sem resposta é haver tanto bom democrata que dá trela a essa gente como se isso nada fosse. O que me deixa sem resposta é olhar-se essa gente com a mesma complacência com que se olha uma criança toda borrada de chocolate. Quanto menos portugueses, mais portugueses. E dos piores que há.

Fragmento #55 – Germanwings

Voei para a Alemanha pela terceira vez, mais uma na germanwings, companhia aérea com sede em Colónia que tem uns preços inacreditáveis; nestes aviões os lugares não são marcados e é bonito observar os alemães que normalmente são arrumadinhos a acotovelarem-se para chegarem a tempo de se sentarem à janela; os alemães em férias são assim, a procura do melhor lugar com vista para as nuvens é a oportunidade anual de terem sexo e em Colónia um romeno ensinou-me que a palavra foder em alemão também significa voar – o Platão tem dedo nisto de certeza e eu não consegui fixar a palavra em alemão para foda, talvez por falta de interesse, desmemória ou estupidez. Desta vez fui à Alemanha ao casamento de uma amiga portuguesa com um alemão, ela já vive naquelas terras há catorze anos; não entendo porque é que as pessoas casam, acho o casamento um gueto de comodismo e entre uma portuguesa e um alemão é já um clássico – parece que ao contrário não resulta, as alemãs não querem casar, nem estão para aturar os portugueses. Quanto aos alemães, tenho a impressão de que quase todos sonham em arranjar uma portuguesinha para os servir, para subjugarem, porque as empregadas domésticas na Alemanha há décadas que são portuguesas; é verdade, eles têm essa ideia fixa que as portuguesinhas ainda cuidam deles, são boas domésticas, umas fadas do lar, sentem-se infelizes e desamparados com as mulheres rijas da sua própria nacionalidade, que se emanciparam há muito, bem antes das portuguesas, são independentes e não estão para os aturar. O caso da minha amiga não é assim, ela é uma mulher de negócios e o seu alemão nasceu em Portugal, viveu em França durante muitos anos e para além de falar fluentemente várias línguas parece latino. Eles vivem em Colónia que é uma cidade multicultural onde os alemães até falam inglês e são simpáticos, têm fama de gostarem de farra naquela cidade. A minha amiga vive entre duas culturas e tenho receio que o casamento a torne definitivamente alemã, de forma legal visto que também vai ter um filho alemão; e o alemão dela, apesar de parecer latino é um alemão. Na última vez que os visitei apresentaram-me um galerista que me relatou a sua paixão pela caça, foi engraçado, ele tinha uma propriedade onde organizava caçadas a javalis e depois vendia a carne dos bichos, era um modo de fazer dinheiro também, possivelmente, para apoiar artistas novos na sua galeria. A caça para ele era a única actividade onde estava concentrado sem pensar em mais nada, onde se desligava do quotidiano. Não quis saber das caçadas do dito cujo e expliquei-lhe que a única actividade onde me sentia noutra dimensão é a música, mas interpretar música de câmara é algo pacificador que nada tem de violento. Desta vez apercebi-me que o grande Reno é o pai de todos os alemães e nas suas margens vislumbrei uma Valquíria: estava sentada numa estação de serviço, na esplanada do café. Ela vestia-se de cabedal negro, era alta com porte altivo, muito elegante e tinha idade indefinida; o cabelo era cor-de-fogo longo e ondulado, tinha um rosto com feições finas, olhos azuis-escuros, profundos e os lábios pontuados de vermelho escuro. De repente levantou-se e dirigiu-se para uma mota de grande porte e dois alemães com estilo grávido de cerveja, provavelmente, os donos das BMWs estacionadas junto à sua mota tentaram meter conversa; ela foi-lhes respondendo formalmente, enquanto calçava as luvas e arranjava um lenço de seda em torno do seu cabelo cor-de-fogo. Os grávidos foram ficando nitidamente atrapalhados com o seu porte altivo e com o facto desta figura mitológica não se desconcentrar das suas tarefas. Finalmente, colocou o capacete e sentou-se na sua mota arrancando com classe. A valquíria seguiu o seu rumo no Vale do Reno, deixando aqueles dois típicos alemães sem saber o que fazer ou pensar.

Maria João

POST COM MUITAS CORES

Sinedoque inclui-me numa corrente onde é suposto, se bem entendi, escolhermos 10 weblogs que gostaríamos de folhear. Sendo fã declarado das correntes, não posso dizer que o seja de weblogs passados a papel. Na verdade, é bem possível que eu seja um dos poucos bloggers que não possui nas suas estantes um único weblog integralmente transformado em livro. Questões de gosto. Aprecio, isso sim, livros que resultem da arrumação de textos anteriormente publicados em weblogs. Desses, tenho alguns de poesia e de conto. Eu próprio já fui aliciado para tal prática. No entanto, dispenso comentários políticos instantâneos com capas de relevo e vossências badanas. Dito isto, cá vai d’alho:

1 - O Diário Dócil, do António Gregório, daria um bom livro;
2 - As short stories do Rui Manuel Amaral também;
3 - O mesmo para os aforismos que o Alexandre Borges publica n’O Boato;
4, 5 e 6 - Colectâneas de poemas da Soledade, do Nocturno com gatos, do Nuno, d’As Musas Esqueléticas, e do Daniel Abrunheiro;
7 – Algumas azias, do azeiteazia, dariam um livro humorístico com muita piada (o que é cada vez mais raro nos livros humorísticos);
8 – A prosa íntima do Lourenço Bray, n’O Nascer do Sol, sobretudo quando fala do pai, da namorada e dos livros que nunca chegou a terminar;
9 - O Palavras da Tribo tem muita história que podia ser arrumada em livro;
10, 11 e 12 – Traduções de Daniil Harms, n’O Vermelho e o Negro, de Charles Bukowski, n’o amor é um cão do inferno, e das senhoras Margaret Atwood, Alejandra Pizarnik e Anne Sexton, no There’s only 1 alice.

Escolhi 12 para não ser igual aos outros. Não me solicitem é que passe a corrente a outras almas caridosas. Esta é minha, só minha e de mais ninguém.
P.S.: Esqueci-me d'A Bola no Olival, do Vasco M. Barreto.

26.7.07

A FILHA DO FACÍNORA

Imagem respigada aqui.

Ninguém fala de Angola em Portugal. À direita ou à esquerda, olha-se para aquela situação como uma excelente oportunidade de negócio. O raciocínio é prático e simples: se não formos nós a fazê-lo, outros fá-lo-ão. Veja-se o exemplo da filha favorita do facínora. Perdeu-se na boémia em tempos de juventude, encontrou-se no mundo dos negócios já em idade adulta. Em Portugal há uns tantos vampiros que lhe apreciam o estilo. Logo, toca de se lançarem em «alianças e negócios estratégicos». Coisa fácil de decifrar: um país miserável, antidemocrático, engorda de facínoras com filhas extravagantes, é sempre uma oportunidade estratégica aos olhos das sanguessugas que se estão marimbando para os ossos partidos do povo. Façamos o inventário da Isabel: sócia de Américo Amorim no quarto maior banco de Angola, negócios com o BES Angola, amiga da Impresa, que detém a Caras angolana, onde, por mero acaso, a mana Tchizé é directora executiva, participa em empresas de extracção e comercialização de diamantes, representa a Sonangol, empresa petrolífera angolana, em vários negócios – compra de 15% da Galp, por exemplo – e ainda tem tempo para meter uma mão na Cimangola, por intermédio da Cimpor, e uma perna no negócio das telecomunicações. Mas há mais: ligações com a Iduna (empresa de mobiliário com sede em Braga), etc, etc, etc. Nascida na ex-URSS, tem a escola toda do papá. No último aniversário, cantaram-lhe os parabéns 700 amigos. Não sei se o menino da fotografia esteve lá para provar o bolo. Nandinho, ‘tás fodido pá. Com filhas destas, nem a morte do facínora te libertará.

MOMENTOS EM TEMPO REAL

Hoje, um pouco por todo o lado. Usando o Insónia como janela.

Um ecologista.

MOMENTOS EM TEMPO REAL

Hoje, um pouco por todo o lado. Usando o Insónia como janela.

O inimigo do ecologista ou retrato do trabalho em Caldas da Rainha.

25.7.07

três notas (falsas) sobre blogs


1. Há blogues que têm site meter. Quando têm 5 visitas por dia e passam a ter 20 instalam o site meter. Quando voltam a ter 5 visitas por dia dispensam a funcionalidade. Devem achar que o site meter assusta as pessoas.

2. Parece haver uma associação entre a não admissão (ou restrição) de comentários nos blogues e a identificação do seu autor com ideologias de direita. Claro que, como a grande maioria dos blogues admite comentários, não é muito fácil notar uma associação entre a admissão de comentários e a identificação dos autores com ideologias de esquerda (o que interfere no que vai antes). Passando grosseiramente por cima da destrinça entre uma(s) e outra(s); estou a tricotar uma impressão, a de eu (olá), que sou um pequeno frequentador de blogues.

3. Nos blogues funciona, obviamente como em tudo o resto, o jogo de poder. Mas é um campo onde este jogo se produz com uma subtileza especial. É que no mundo dos blogues a simples presença (que pode ser traduzida num simples ponto de exclamação, sorrisito, ou num comentário mais elaborado) tem um peso que ultrapassa o da simples presença no mundo lá de fora. O Sr. A vai à fnac e calha estar um tipo que ele considera energúmeno a apresentar um livro. Mas não resiste à curiosidade e assiste. Encontra o Sr. B que lhe pergunta: atão, vieste à apresentação, foi? O Sr. A responde: tás doido pá, vim tomar um café sossegado mas tá esta confusão toda, uma chatice. Num blog isto é impossível, porque o mais pequeno comentário, ainda que negativo, é excessivo no reconhecimento da existência do outro (do blogger comentado).

Rui Costa

AMANHECER DE VERÃO

Pede, por mim, entre os teus lábios fechados, uma só prece,
uma só vez, junto às estrelas lá no alto, pensa em mim.
Esvai-se a noite de Verão, a luz da manhã aparece,
tímida e gris, entre as folhas do choupo e a orla das nuvens que, assim
tão pacientes, ali aguardam o amanhecer:
pacientes e sem cor, embora o ouro do Céu pretenda,
com o sol, por entre elas flutuar.
Ao longe, por sobre as searas de trigo a crescer,
esperam os olmos robustos e o vento, em contenda,
sopra frio, inconstante; as rosas a murchar
suplicam pelo amanhecer no crepúsculo tardio, no abrigo
da casa, solitária no meio do trigo.
Diz-me uma palavra, apenas uma, à superfície do trigo,
por sobre as hastes curvas, macias, do trigo.


Tradução de Clara Garcia da Fonseca.

William Morris

William Morris nasceu em Londres a 24 de Março de 1834. Conhecido, sobretudo, como designer de papéis de parede, tecidos padronizados e livros, foi um dos fundadores do movimento socialista na Inglaterra. Poeta, ficcionista e conferencista, fundou várias firmas, sociedades e movimentos dedicados à arquitectura e às artes decorativas. Em 1858 publicou The Defence of Guinevere, and other Poems. Em Janeiro de 1891 fundou a editora Kelmscott Press, com a intenção de produzir modelos tipográficos de impressão de livros. Neste contexto, destaca-se uma edição de Os Contos da Cantuária - considerada uma das mais belas edições alguma vez produzidas. Morreu a 3 de Outubro de 1896.

24.7.07

tofu.3


Fui dar à passerelle mas só queria a sandes de courato da moda, que tem uma fina placa de borracha estufada chamada tofu. Engasguei-me logo e entrei no primeiro sítio que vi, que foi lá, e plo enjoo da tesúndia viram logo que eu é que era o máfio das pitoskas. Sentei-me na primeira cadeira e quase espetei um fémur na troncha porque havia lá uma dama que fugiu a correr e ao segundo passo levantou voo e ficou atarraxada no tecto, mas ninguém a viu porque devem-na ter confundido com um andaime. Começaram as raimundas a sair pró corredor, e eu a ronhar que difícil é a profissão onde não se ganha pra comer. Senti a sensibilidade e comecei a chorar, e aproximaram-se logo duas a dizer que eu era um lauriano sensível e eu disse-lhes que não era verdade, que no bairro como a carne crua e que me atravanco mais com o tofu, e confessaram-me que devia só haver paz e não haver maldade no mundo e carregaram a chorar e eu disse-lhes que não se chora com a boca cheia. A que estava pendurada no tecto começou a descer e era o meu ossudo que partia, mas não partiu, porque aterrou de fronha e devia ter adormecido porque vinha a ressonar com a tesaurinda a parecer um pão-de-ló todo feito de tofu. E eu choranguei um pouco mais porque me lembrei dos jogos de mikado que a maltoska jogava a comandar o capiléu pra não escangalhar a palitada. Foi a minha sensibilidade que as surpreendeu porque o mundo é muito mau e os adultos não são sensíveis e meigos como as crianças e os bobis, que é o nome dos canitos delas porque tá na moda retrós, que é como maria ou mesmo melaurinda, que era a que me arrastava já para o meio da passerelle, onde ficamos até ao fim do evento numa metáfora viva de sensibilidade, e poesia, e fôdasse.

Alcides

PIRÂMIDE = FOGO

o sólido que adquiriu a forma da
pirâmide é o elemento e o gérmen
do fogo
PLATÃO


enquanto o fogo é fogo é voz que pesa
enquanto o fogo é fogo é grito equânime
sabemos que faremos que esta casa
será pão de justiça sobre os remos

enquanto o fogo é fogo é só ele mesmo
alargamento espaço deslizante
além – alfobres vivos – caminhamos
inteiros rectilíneos geométricos

enquanto o fogo é fogo e rói o lixo
dissolve os restos queima a carne morta
sabemos que sabemos que esperamos
fidelidade cresce – uma pirâmide

de vontades seguras balizadas
por cortinas de amor mais vigilante
até ao corpo livre e o sol incida
até ao extremo sul da claridade

de vontades seguras balizadas
por cortinas de amor mais vigilante
até ao corpo livre e o sol incida
até ao extremo sul da claridade

de vontades erguidas diluídas
em janelas a prumo sobre a vaga
até ao mel da flor que nos contemple
até à nitidez que nos aguarda

enquanto o fogo é fogo é flecha limpa
sabemos que sabemos que ele nos salva

João Rui de Sousa

João Rui de Sousa nasceu em Lisboa em 1928. Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas, dirigiu, em 1955, com António Carlos, António Ramos Rosa, José Bento e José Terra, a revista Cassiopeia. Fez a sua estreia literária nessa revista, com a publicação de poesia e ensaio. O primeiro livro, A hipérbole na cidade, apareceu em 1960. Tem colaboração dispersa por várias revistas e ganhou alguns prémios de poesia e ensaio, com destaque para o Prémio da Crítica 2002, do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, relativo a Obra Poética (1960-2002), livro igualmente distinguido com a 24ª Edição do Prémio Pen Club. »

23.7.07

SEM FAMÍLIA

No Portal do Governo, estes 100 Compromissos para uma Política da Família. Alguém diga àquela gente o preço a que estão as fraldas, o leite, o pó de talco. Alguém lembre aquela gente, por favor, que, ao contrário do que está definido na Constituição da República Portuguesa, o ensino básico universal, obrigatório não é gratuito e o sistema público de educação pré-escolar, dada a escassez, empurra os pais para os privados. Isso sai, meus senhores, muito mais caro do que podeis supor. Sobretudo quando o trabalho é frágil, precário, verde. Sobretudo quando a casa, a gasolina, o gás, a água, a electricidade, os impostos, levam ao cidadão médio praticamente tudo o que ganha num mês. Corrijo. Na verdade levam mesmo tudo. Medidas de apoio à natalidade? Não gozem comigo.

ANDAMOS NISTO

Esta é apenas uma das razões pelas quais deixei de votar, pelas quais deixei de acreditar. Ah! Mas tão vigiados que eles são, tão legais, tão de acordo com a democracia empastelada em que vivemos. Ó povo pascácio, vai-te a banhos, joga no euromilhões, fia-te no Cristiano Ronaldo! 'Tá tudo legal. Já agora, que terá a sô dona Inês Pedrosa a dizer sobre o assunto? Talvez que quem se está nas tintas para o hemiciclo deveria perder o direito a candidatar-se a empregos, bolsas ou apoios públicos… Hmmmm…

Alcides.2


eu não entouço políticos, prezo bem a saúde cá da enxúndia. mas fui deputado por um dia, e era dia de votança quando uma juana veio apresentar os desidérios para a felicidade do rebanhol, caracóis e mousse a deslindar a faventa da pitoska. estava-lhe o olharéu a desviar na direcção psicológica do tesundo, o botão prás votações ligado e eu já de crista espetada no voto sem mãos nem nada, em atenção à dignidade da leona. ganhámos, a pitoska recolheu a dignidade do apoio que lhe dei mas tinha um problema em manter a tola debaixo da tábua da mesa de deputado, e quiseram anular a votação e interromper a consideração que ela santamente arquivava na bocanha arrebatada pela gosma ardente. Os outros, incrédulos, corados, também queriam. Mas quando a urna é séria eu não a posso entregar aos jagonzos da política e por isso sugeri-lhes que se aviassem por decreto. Certo era o mastodôncio não se conter no botão declarador do voto e é quando chegam os bombeiros. Passou-se uma semana e nós subindo já a mesa do presidente da sala, desmaiado das sucessivas gongas no reportório por mão própria. Veio o exército e a juana continuava firme quanto ao rumo do reino da gosma, que nesta altura lhe saía plos outros orifícios e inundava a sala, enquanto os soldados se entretinham com as mangueiras, festa dos bombeiros, como se fosse uma discoteca do Porto. À terceira semana resolvemos descontrair um pouco da política, e abandonamos o recinto depois de eu polir a entaladeira, e de espalhar na urna da pitoska um pouco do cheiro a mentol da bandeira verde e vermelha do país da política como deve ser.

Alcides

ESPÓLIO

No fim de tudo, quando os adorados
Membros forem torrões no pó incrustados,
Quando os móveis tiverem, muito antigos,
Dado ceia aos cupins, fogo aos mendigos,
Quando os papéis rolarem já nas poças
E o chão pisarem nem nascidas moças,
Quando outras gerações, sem nome nosso,
Olharem para o céu sempre em esboço,
E os restos nossos, sem que a vida atine,
Dormirem num promíscuo de vitrine,
Sem um vínculo mais, um gesto, um preço,
Sem mesmo as casas, sem seu endereço
Também mudado já, sem um resquício
Do nosso rude amor, nosso suplício,
Então só sobrarão, no tempo emersos,
Uns versos, como sempre, uns rijos versos.

Alexei Bueno

Alexei Bueno nasceu no Rio de Janeiro, a 26 de Abril de 1963. Começou a publicar em edições de circuito restrito, tendo conhecido maior projecção já na década de 90 do século passado. No entanto, estreou-se em 1984 com As escadas da torre. Autor de vasta obra, notável pelo diálogo que estabelece com a tradição e invulgar entre as tendências mais marcantes nos seus contemporâneos, Bueno trabalha também como editor. Neste contexto, são da sua responsabilidade edições das obras completas de poetas como Mário de Sá-Carneiro, Olavo Bilac, Almada Negreiros, entre outros. Traduziu autores tão variados como Poe, Nerval e Mallarmé. Tem colaboração dispersa por diversos órgãos de imprensa no Brasil. »

20.7.07

O GÉNIO E O IDIOTA

Um dos divertimentos predilectos desta fodinha triste, como lhe chamou a Maria João, é fazer-me marcação cerrada. Quem sou eu para censurar as formas como cada um resolve passar o seu tempo? Não o faço. Antes pelo contrário, dá-me um gozo que não posso nem sei disfarçar. No entanto, se, como diz Pedro Mexia, o que mais enfurece um idiota é ignorá-lo, neste caso eu não posso ignorar quem me atribui tamanha importância. É que, do mal o menos, sempre é melhor ser odiado por um idiota do que ignorado por um génio.

PROCESSOS DEMASIADO OBSCURIZANTES

Na página 90 de Alexandre O'Neill - Uma Biografia Literária, estas palavras sábias: «O humor desacredita. O derrisório, mais do que um contrapoder, é um antipoder, é a pulverização de qualquer forma de poder, seja ele fascista ou da oposição».

MAIS POETA



Sinto-me mais poeta. Além da asma, descobri outra coincidência com o Mestre O’Neill. Já contei a amigos, penso mesmo que escrevi sobre, que uma vez concorri a Bolsa de Criação Literária com um projecto completamente desmiolado. Fi-lo, fique claro, por provocação privada. Consistia o dito na intenção de levar a cabo um livro de poemas todo ele escrito com títulos recortados da imprensa escrita. Pois descubro hoje, ao ler a biografia que Maria Antónia Oliveira votou ao poeta O’Neill, que este atravessou «uma fase em que fez poemas com recortes de jornal, com palavras lidas e arbitrariamente fixadas, por exemplo, numa página de anúncios» (p. 51). Ele há coisas!

DEBATE DO PAÍS DOENTE

No Café Rosa as bifanas têm um sabor especial. Com a telefonia sintonizada no debate danação, facilmente a conversa ganha motivo. A locutora diz que o abono vai passar a valer €130. De olhar guloso, um dos empregados vira-se para a colega e transmite-lhe a novidade: «’Tás ouvir, Luísa? Agora, se fizeres um aborto, dão-te €130». Ela, mais incrédula, remata em dúvida: «Atão e quem paga os que já foram feitos?» Como a bifana, mas não evito pensar que em vez de medidas de apoio à natalidade devia o Governo pensar em medidas de apoio à salubridade.

REDE, VIRTUAL E O QUE NÃO SABEMOS SER MAIOR QUE NÓS (Sugerido pelo último comentário de J. Urbano; com um convite aos leitores do Insónia para que...

...se deixem contaminar do atraso do verão)

A rede não acaba enquanto houver circulação de energia, e acho que isso não acontecerá enquanto um lugar (pensamento, objecto) não for simultaneamente todos os outros lugares. Quando uma parte do universo, pensamento, objecto, molécula, estiver completamente ligado a tudo o resto deixa de ser o indiviso (resistente à rede) que é e passa a pertencer a um todo homogéneo que é a concentração de energia que no universo anuncia nova explosão. Nesse universo de rede total cumpre-se a alquimia completa: tudo se transforma em tudo, e tudo fica igual a tudo. É de facto uma “desintegração da rede”, porque nada mais se cumpre na busca do que ainda não é. Essa rede total futura é tão auto-poiética e auto-subsistente como a que existe hoje; nós estamos habituados a pôr deus fora do universo, é só uma questão de pô-lo cá dentro (da rede). Por deus entendo o conjunto de possibilidades do universo em cada momento (para dizer que é consubstancial ao que existe; e para dizer que não é perfeito – caminhante para o estado homogéneo que coincide com a rede total e o fim da rede, antes do próximo universo - antes do mundo).

Quanto ao virtual, parece-me que tem na história do pensamento uma posição simétrica à de deus: os humanos parece que têm mais facilidade em conceber deus como o que vem antes de nós e o virtual como o que vem depois de nós. Acho que o virtual sempre cá andou. A “invenção” da linguagem foi um passo mais no sentido da virtualização: tornar presente o que não está presente, uma coisa em vez da outra: o símbolo, a distância (um link mais na rede). A criação do livro. O livro é um virtual: ser possível ler um pensamento de alguém que já “morreu” (outro grande link mais na rede – com o passado, ou não só?). Temos uma concepção de corpo muito auto-referencial; uma imagem tem tanto corpo como um cão, creio. Entendo corpo como um estado de (des)organização simpático. Se só um humano tivesse cordas vocais, ou mãos pra escrever, ou se os volumes cerebrais fossem muitíssimos díspares, seria impossível desenvolver uma linguagem. Ao mesmo tempo os corpos das galinhas são simpáticos (até podemos comê-las), e as imagens não nos matam (sempre). Tenho a impressão que chamamos virtual àquilo que o nosso corpo, na forma presente, ainda não suporta (como o download instantâneo de uma vida).

Quanto à questão da causalidade, é aqui que entra o único deus (agora quase no sentido de “criador”), em formato mínimo, que ainda me resta: não achar provável a possibilidade de uma parte do universo destruir o todo (o universo todo); e isto parecer-me fazer parte de um código genético qualquer. Se assim for, pode ser que o que chamamos causalidade seja o conjunto de combinações que podem ocorrer sem efeitos demasiado destrutivos.

O Pontal parece gostar do corpo pós-humano (que é apenas o humano que vem), e se “nada se detém” só pode ser porque não tem mesmo raízes, ou seja, verdade: circula. Claro, a alegria será “quase neutra”. Ou não se conhece ou não se pode ser alegre. O estado de rede total é homogéneo e também neutro. Mas não é pra já. Cada um vivendo galhardamente a sua ideia de verão.

Agradecendo a J. Urbano a motivação para fingir, uma vez mais, dizer mais do que sei.

Rui Costa

19.7.07

CAMINHANDO PELO DESERTO

O meu maior inimigo é a burocracia. Dou-me pessimamente com a burocracia. Começo a suar, sofro de palpitações, fico com enxaquecas, ataques de pânico, um horror. Não tenho aptidão para lidar com nada que seja burocrático, sofrendo também as consequências disso. Nos tempos que atravessamos, um cidadão bem sucedido tem, inevitavelmente, de saber dançar com a burocracia. Eu, como não sei, troco-me nos ritmos e, vai-não-vai, piso-lhe os pés. Mas ao contrário do que sucede no tango, neste caso quem pisa é quem sofre. Ou seja, paga multas. Ele é o IVA, o IA, a SS, o que quiserem. Se eu lidasse bem com a burocracia seria muito mais feliz. Os pagamentos por Multibanco e a Internet vieram facilitar-me a vida. Devo dizer que, já por duas vezes, resolvi questões complicadas com as Finanças pela Internet. Foi rápido e eficiente, o que é muito raro neste país. A gente precisa de dizer bem do que está bem. Mas mais recentemente arranjei um imbróglio com quem menos esperava: um banco. Não irei, para já, adiantar muito sobre o assunto. Alerto só para algo que, provavelmente, já todos os leitores do Insónia saberão. Eu não sabia. Não confiem nos bancos, são uma cambada de aldrabões, abusadores, impostores e chulos. Fazem tudo de forma a que seja o cliente a servi-los e não o contrário. É vergonhoso o poder que os bancos têm neste país. Quando me falam nas regalias dos funcionários públicos, dá-me vontade de rir. Olhem para as regalias dos bancos. A minha revolta (re)volta-se na direcção desses apaniguados do regime, um regime que lhes é subserviente como cão ao dono. Regra de ouro: não confiar nos bancos, nunca seguir as sugestões dos bancos.

18.7.07

ÁTILA, O REI DOS HUNOS

O A Terceira Noite, de Rui Bebiano, é um dos meus weblogs preferidos. Visito-o todos os dias, leio-o com a atenção que me é possível. Por isso mesmo, não posso impedir-me de considerar muito infeliz este tipo de considerandos: «O programa de rádio Antena Aberta, de Eduarda Maia (Antena 1), resolveu esta manhã colocar em debate as recentes declarações públicas de Saramago propósito da utopia, ciclicamente retomada por uns quantos quixotes, de uma Ibéria una e plural. Para que não existam dúvidas, declaro que, nas suas linhas mais gerais, a ideia do escritor colhe a minha simpatia. E a de um ou outro ouvinte também. Todavia, a larga maioria dos participantes interveio, de uma forma excessiva e exaltada, em sentido contrário. A culpa do tom, claro, é deste tipo de programas, que dá voz a qualquer huno e nem sempre introduz na conversa alguma pedagogia da tolerância. Por isso, não estranhei ouvir um cozinheiro do Porto bradar que «não podemos ofender a gesta dos nossos maiores», nem «afrontar os mártires que permitiram dignificar o solo pátrio». Estou a ver o senhor – na aparência um homem de leituras – de panela inox na cabeça e com o garfo dos fritos em riste, «dando a vida, se preciso for», rua a rua, copa a copa, sob a inspiração da padeira Brites, na guerra de guerrilhas contra os malditos castelhanos». Os sublinhados são, obviamente, da minha autoria. A mim parece-me antes que este discurso que o Rui Bebiano adopta, bastas vezes repetido e remexido noutros litorais, é também ele do pior que a nossa desgraçada democracia alimenta. Rui Bebiano, a falar desta maneira, até parece os hunos que critica. Obviamente um huno iniciado na pedagogia da tolerância, sobretudo porque mau de tachos e panelas, mas bom de leituras. Rui Bebiano lê bons livros, houve boa música, mas jamais se deixaria inspirar pela padeira Brites. A gente consegue antes vê-lo sentado numa secretária repleta de livros, a escrever posts, a ler Francisco da Cunha Leão, com uma garrafa de bom vinho de um lado e uma caixa de charutos do outro. Ele é um intelectual. E aos intelectuais pouco mais se pode exigir do que... serem intelectuais. Eles ficam mesmo bem é arrumados no conforto dos seus escritórios, entre livros e CDs, que entremeiam com programas de rádio onde a voz dos «cozinheiros do Porto» (ó raça!) se faz ouvir.

CORPO NOVO, LITERATURA NOVA (a propósito do comentário de J. Urbano)

…celebração litúrgica, mas pretensamente sem sacerdote dirigente. fingir que são as moléculas que escrevem, como se o autor se tivesse transformado numa parte mais pequena de uma coisa maior, num órgão de um corpo (ou do corpo sem órgãos). creio que tem a ver com um estádio da evolução antropológica: o ser humano preparando-se para a verdadeira ligação à rede, o que exige o corpo perversamente poliforme de que donna haraway gosta: sem fronteiras, sem sexo (ou com vários), e também sem verdade. A verdade tem raízes, impede a circulação. O que se faz então é dividir, para diminuir o peso: as componentes gravitam melhor e o personagem ressente-se. O personagem passa a ser um ponto de vista, uma posição do objecto, a inclinação da luz. Isto parece o futuro mas já é também passado. Quando Galileu descobriu o telescópio lançou a dúvida quanto à capacidade de os sentidos perceberem a realidade. O universo passou a ser algo de cujas qualidades conhecemos apenas o modo como afectam os nossos instrumentos de medição. Mas do sistema heliocêntrico então inaugurado passou-se depois a um sistema sem centro fixo, ou desprovido de centro. Se a paternidade do “moderno” relativismo se deve a Galileu, Einstein aproveitou-o e achou-se suficientemente confortável para negar que, num instante definido, toda a matéria seja simultaneamente real (Heisenberg também). Ainda não parámos de ficar mais pequenos, como se fosse esse o preço natural de descobrirmos sempre estrelas que estão mais atrás das últimas. Mas se calhar o pensamento é como o corpo de cristo encolhido na hóstia: por mais que se parta, no bocado mais pequeno ele está inteiro (dizem-me alguns de olhos doces). Faz isso o escritor: finge que habita o seu próximo corpo. É que este pensa muito e quer tomar conta do mundo. Mas depois volta sempre ao mesmo erro, o escritor: quer acabar com o pensamento, e põe a janela a pensar, quer acabar com a ficção e inventa personagens feitos só de imaginação. Não é fácil.

Rui Costa

17.7.07

J.Urbano said...


Muito da boa literatura vive nessa terra de ninguém. Llansol pelos típicos preconceitos de quem julga a literatura e o seu tipo de trabalho literário uma espécie de epifania, e de acesso privilegiado ao ser, ao segredo; envolvendo a escrita, o texto, numa espécie de celebração litúrgica, e nesse sentido colocando o seu tipo de trabalho textual muito acima do miserável romance de acção, vil e profano. Não percebe que também o pensamento vive da acção, de um enredo conceptual, que também ele se movimenta para um desenlace, e o que são as figuras senão espectros, duplos de duplos. Que o difícil num romance menos ficcional não é misturar-se com um certo gaguejar filosófico, que quase sempre dá maus resultados, mas destruir, esmagar as ideias, a esfera conceptual na vida própria do corpo ficcional, que a filosofia seja destruída e desapareça na máquina literária (não importa se poesia se romance, e por aí fora), e nem Llansol escapa ao ficcional. Não foi por acaso que Deleuze acabou por se referir a personagens conceptuais. Dar cabo da ficção é eleger a verdade, como se houvesse verdade, como se a verdade não fosse a maior, a mais brutal mentira. E só assim os textos de Llansol podem ser inseridos no âmbito da literatura, senão seriam textos de outra índole, como a religiosa, textos sagrados.

(aqui)

JORNALISTAS

Tenho uma turma que anda a realizar trabalhos sobre grandes portugueses do século XX. Um dos alunos perguntou-me sobre um jornalista português que tivesse sido realmente grande, influente, importante, sobretudo durante os tempos do Estado Novo. Gaguejei. Passado o incomodo, lá fui procurar no Google a ver se a parca memória se me reavivava. Parei no ainda activo sítio do programa Os Grandes Portugueses. Em todas as biografias ali disponíveis, jornalistas vi apenas dois: Fernando Pessa e Maria Lamas. Afinal, quem foram os grandes jornalistas deste país? Agentes de palavras efémeras, entre gentes de efémera memória, os jornalistas passam pela vida como quem faz sem estar à espera de ser lembrado por isso. Missão nobre, porém inglória. Não admira que tantos deles andem para aí a escrever livros.

Alcides.1

há basto tempo não vos conto meus domésticos vícios. julgaram rotos leitores que a verga se calou, imune ao desafogo que na poesia esbate punheteira forma. esganai-vos com prosa de só coçardes a dita em perambólica monha, eu vos perdoo. rico não estou porém da estranja sina, alargo a experiência com tântricos remédios. no mosteiro de singeverga foi assim: o sacristão fendido ajudando a preparação do licor e eu esgalhando a mastodôncia pra cima do madeiro cá de trás. cantou o coro com a gosma entrando plas bocas a afinar o vício, que a santonta desceu cá abaixo a ver se havia mais. e havia, fiz-lhe um soneto que ela perguntou se podia chamar um anjo pra lhe amparar a excedentária com as asas. o anjinho entalou-se com a dita e solfejou mais cedo, a superiora também quis. jesus cristo dai-me disto. e dei eu, tomai deste céu. santa senhora, que o sois menos agora. as asas do anjinho esburacadas do travasso assertório resvalando plas hóstias, tvi à porta, o altíssimo de hossanas a pedi-las. e como não gosto que me peçam virei-me às câmaras e entalei o gorgulhão até se virem escuras, e foi assim que me amancebei com deus, que afinal é gaja e tem uma xauvineta que dá pra encalcetar o universo. e depois fui-me, com um sentimento bastante agradável a pingalhar o tapete dos restos da minha alegria.

Alcides

ANAGRAMA

No instante em que se desmancha
a pele, o hálito, a dança,
ouve-se o aviso enorme
de algo que invade e que envolve:
«é coisa estranha, a morte».
No entanto, mesmo cansado,
mesmo com sono ou com tédio,
convivo com o que vejo,
e, frente a ela, percebo
a coisa estranha: a vida.

Felipe Fortuna

Felipe Fortuna nasceu no Rio de Janeiro em 1963. Mestre em Literatura Brasileira, é poeta e ensaísta. Iniciou a sua carreira a colaborar em diversos suplementos literários, tendo-se estreado, em 1986, com Ou Vice-Versa. Seguiram-se colectâneas de poemas, livros de crítica literária e ensaios. Traduziu a integral de Louise Labé. É diplomata. »

16.7.07

A MINHA GERAÇÃO

A lucidez que aprecio no que Mexia escreve está patente neste pequeno post: Não tenho idade para escrever um livro de memórias, nem conto chegar a tal idade, mas sei que nunca poderei escrever um texto sobre «nós». A minha «geração» é uma geração do individualismo, e eu um individualista bastante radical. Estou condenado ao «eu». Ou, como dizia o doutor Cunhal e se diz agora na blogosfera, ao «umbiguismo».

PORTUGUÊS DE ESPANHA

Ele até ia bem, mas depois estragou tudo. Acontece aos melhores. Refiro-me à entrevista que o nosso Nobel da Literatura deu recentemente ao jornal Público, defendendo que Portugal deveria tornar-se uma província de Espanha. Ao ler a entrevista, uma forte emoção tomou-se-me do peito. Finalmente um português de jeito com uma ideia de jeito. Mas depois comecei a desconfiar. Saramago vive há 14 anos em Espanha, conhece bem os espanhóis. Julgará ele que os espanhóis aceitariam os portugueses já não como sus hermanos, mas como espanhóis de pleno direito? Duvido. Por isso mesmo sugere Saramago uma negociação: «Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar». Negócio inquinado, temo. Jamais um espanhol desejará ser outra coisa senão espanhol. É essa uma das razões porque os portugueses deveriam preferir ser espanhóis. É que um dos grandes problemas de Portugal é, precisamente, ter muitos portugueses que não querem ser portugueses. Preferem ser, por exemplo, espanhóis. Ora, não vejo razão mais substancial para desejarmos ser parte integrante de Espanha do que a de começarmos a pensar como os espanhóis. Não para nos transformarmos nuns porcos nacionalistas, mas para passarmos a agir em consonância com a devoção que a nossa pátria nos deve merece. Lendo escritores portugueses, ouvindo música portuguesa, comprando produtos portugueses, acarinhando e bem tratando a paisagem de Portugal. Mas nada disto parece imbuir as intenções de José Saramago, já que este teve mesmo o descaramento de vaticinar que a integração em Espanha não resultaria numa cedência nem acabaria com o país. Está-se mesmo a ver o resultado: «Não se deixaria de falar, de pensar e sentir em português». Alguém que me explique, então, para quê passar a ser português de Espanha e não de Portugal. Passar a ser espanhol para continuar a ser português é que, definitivamente, não!

SER OU NÃO SER ROMANCE


Eduardo Pitta diz que a Maria Gabriela Llansol não é romancista. Não se pode dizer que é uma observação errada mas pode dizer-se que…depende! (que começo afónico). Mas depende, realmente, do que se considere romance. Pode dizer-se também, como já o fez Eduardo Prado Coelho, que a escrita de Llansol não é literatura. Mas isto depende do que se considere ser literatura. Observações do tipo da de Eduardo Pitta ou de Eduardo Prado Coelho demonstram, acho eu, a constatação por parte de quem as profere de que algo de bem distinto se passa no trabalho desta ou doutras pessoas que desenvolvem o mesmo tipo de trabalho-escrita. Não consigo definir romance, mas o senso comum aponta para a presença de elementos como: enredo, personagens, acção, princípio-meio-fim, mínimo de lógica, sentido, mensagem, e coisas que tais. Mas aqui já se poderia notar: definir romance, ou definir literatura, ainda que apenas por alusão a tópicos mais ou menos sobrepostos com a desculpa de ser senso comum, é: matá-los. Mas nunca definir é matar a definição, ou seja, somos presos por ter cão e presos por não ter. Nem tudo é mau na definição: a definição delimita. Delimitar é reflectir sobre os contornos das coisas (de+ablativo, no latim, acerca de, acerca dos limites). Mas definir é também limitar, ou seja, impedir que uma coisa seja, para além de ser o que é, outra coisa. E nós não queremos que nos impeçam de ser outras coisas, pois não? Digamos que a definição tem (ou pode ter) intuitos pedagógicos. Servir para sentar é da definição de cadeira (o significado é dado pelo uso, e a cadeira é portanto o que se “define” como sendo aquilo que o uso que dela fazemos nos vai indicando o que ela possa ser enquanto algo que se usa hoje de uma maneira, amanhã de outra, etc.), mas para que serve o romance? Ora, serve para perceber. Serve para comunicar. E éramos obrigados a perguntar: mas o que é perceber? E o que é comunicar? Percebe-se que isto não tem fim, porque nada tem um significado absoluto que não seja ao mesmo tempo individual (e o que é absoluto? É aquilo que não pode ser de outra maneira. Quando? Hoje? Mas sabes como é que pode ser daqui a um mês? E o absoluto individual não pode ser falso para a parte do universo que não somos – pimenta no cu dos outros no nosso é refresco -?).
Voltando ao princípio, a escrita de Llansol não se percebe da mesma maneira que a escrita de Agustina. Porque a escrita de Llansol não tem personagens, tem figuras. Porque a escrita de Llansol não tem clímax, fim, desenlace, tem cenas-fulgor. Porque não serve para descrever realidade, serve para…é como ela diz (e não diz):

“Antes de mais uma forma de escrita, uma espécie de literatura não ficcional. No seu universo de escrita habitual – o texto clássico do romance -, aceita-se como normal que a acção dê consistência ao que existe. O personagem existe porque faz coisas. Aceita-se igualmente que dê sentido ao que está feito. Já se é um pouco reticente quanto à imaginação. Crê-se que não tem vitalidade suficiente para determinar um modo de existência.[…] O meu texto não é compulsivo. Quem o escreve não projecta uma acção, nem oferece identificação. “Quem” emerge dessa fonte de ser que referi, ou seja, a figura, cuida constantemente de si, enquanto ser inadiável, mas sem qualquer violência, numa gravidade sem limites. […] No universo da acção romanesca, só nascem os personagens armados de violência de ser. No universo da escrita, as figuras “mostram-se” e pedem que sejam recebidas – são hóspedes, hóspedes de rara presença, formas de companhia. Não há nisto ficção alguma.”

(“Onde vais, drama-poesia”, Relógio d’água, 2000)

Afirmações do tipo “isto é um romance” ou “isto não é um romance” têm que ser entendidas na função concreta de que são incumbidas. No caso dos críticos em causa revelam mais ou só, parece-me, uma vontade de distinguir um autor do que de encerrar um género literário na sua esquadria canónica.

Rui

RESISTIR


Vítor Silva Tavares, hoje, no Público: «Muitas vezes voto no PCP e não é por causa do PCP, é por causa de mim. O que tenho a ver com o PCP? Nada. Gosto de ir votar porque a junta de freguesia é ali na Rua da Esperança, e vota-se ao domingo, e ao domingo aquilo é uma aldeia. Até os cavalheiros podem aparecer de chapéu, porque é quase tudo emigrantes, de Ovar, daqui e dacolá. Põem os seus melhores fatinhos, as esposas ou viúvas também, e é-me ternurento ver como aquela gente vai tão respeitosamente votar. Então, eu gosto de ver aquilo e também vou. (...) Sou totalmente fiel à minha condição. Não tenho qualquer ilusão sobre de onde venho, como fui sendo e agindo. E sou de tal modo fiel a isso e a convicções iniciais nunca perdidas, que posso não me interessar em particular pelo partido comunista, mas por certas ideias comunistas, mesmo aquelas que passaram primeiro pelos Bakunines, ou pelos comunistas utópicos, como o Charles Fourier, com o falanstério. Eu venho dessa família de socialistas idealistas, onde meto um certo comunismo inicial que nada tem a ver com o Estaline, se calhar nem com a revolução de Outubro, sabendo-se que a revolução de Outubro começou por assassinar os de facto socialistas, revolucionários. Está mais próximo da minha condição e formação enquanto pessoa. Isto tem que ver com as ideias e a minha integração num sítio. A minha Lisboa é muito pequena. Falo dela como o meu Triângulo das Bermudas. A casa da Rua das Madres onde vejo, enquanto os arquitectos deixarem, a mesma nesga de rio que via quando era miúdo. Parece que o Norman Foster vai dar cabo disto. O tal muro de betão que uma certa Lisboa pôde fazer parar há meia dúzia de anos vai ser transferido simplesmente para o outro lado da 24 de Julho. Aquilo é uma pequena aldeia, eu de manhã vou tomar o meu cafezinho ao mais pequeno estabelecimento do mundo, que é a Geninha, tenho lá a voz do bairro, o mulherame todo, sei logo tudo. Aquele português que lá se fala é do melhor Gil Vicente, nomeadamente as mulheres, e eu delicio-me. Reencontro aí uma língua portuguesa que é escusado estar a ler a Agustina. Depois faço a Calçada do Combro a pé e estou na Lisboa do Chiado romântico, onde sempre trabalhei. (...) Tudo quanto tenho, porque comecei a trabalhar muito cedo – antes de ir para África, trabalhava numa grande casa de material cirúrgico, e como era o mais puto enfiaram-me como estabalecimentos a Cadeia Penitenciária de Lisboa, os Hospitais Psiquiátricos, Júlio de Matos e Miguel Bombarda e a Ortopedia de São José... –, mercê dos pagamentos à segurança social hoje usufruo de uma pensão de 250 euros. A casa onde vivo é minha, sou apoiado, como sempre fui desde miúdo. E é por causa destas circunstâncias materiais que o etc se pode dar ao luxo de ser um luxo. De poder continuar a funcionar completamente à margem da engrenagem das indústrias e comércios editoriais. O etc não percisa de “marketing”, porque quem faz 300 livros não precisa de “marketing”. Ao profissionais propriamente ditos, pago sim senhor, pago religiosamente a tipografia, não tenho uma dívida à praça,. Não devo um tostão ao banco. O meu banco é a tipografia Minerva. Porque se eu disser: “Ó senhor Gomes, faça-me mil livros”, ele faz. Ou: “São cinco livros”, e ele faz. Porque sabe de ciência certa e cega que o senhor Vítor jamais deixaria de pagar um cêntimo àquela casa. Portanto esse trabalho é pago, claro. Ao fim e ao cabo os autores que para aqui mandam os seus originais, também os mandam porque sabem que seria um horror se graças ao trabalho artístico ou intelectual estivesse eu com o meu popó graças ao trabalho deles. Eles sabem de ciência certa que não é isso. O projecto do etc não passou desde o início por irmos fazer lucro. E sempre foi dito que no caso de termos algum lucrozito era para meter num novo livrito, e assim sempre. (...) Comemos muito bem lá em casa, as coisas são bem escolhidas, cozinho bem, logo ninguém pode ouvir da minha boca qualquer queixume, coitadinho de mim que sou tão pobrezinho. Não me importo nada de ser pobre. Não trocava a minha posição de modo algum com o Belmiro ou o Berardo. Tenho pena deles. Se o Berardo ou o Belmiro perderem 25 tostões, ou dois euros e meio nessa noite eles não dormem. Ai eu durmo regaladamente. Do que tenho um bocadinho de pena, e por isso, evito, é ir a certas livrarias. Poderia ter a tentação deste ou daquele livrito, Evito e custa-me evitar. Eu que faço livros não tenho dinheiro para comprar livros. Mas tirando isso, não me custa nada viver como vivo.»

15.7.07

AUTARCAS DE SUCESSO


13.7.07

JORNALISMO DE REFERÊNCIA

Tenho com os jornais uma relação muito similar à que mantenho com os cigarros. Tão depressa os abandono como volto a eles. Ainda que seja mais resistente ao apelo dos jornais que às exigências dos cigarros, de quando em vez tenho uma recaída e saco umas moedas da carteira que invisto na jornalada. Quase sempre me arrependo, mas isso também acontece com os cigarros. Sobretudo porque sou asmático. Já fiz referência ao facto de ter deixado de comprar jornais, o que me valeu a acusação de pretender chegar a Presidente da República do meu país. Não é esse o caso. Mesmo que fosse, não começaria por deixar de comprar jornais. Preferiria começar por, de alguma forma, comprar jornalistas. Sendo esse outro assunto, mais pesaroso e, por isso, menos interessante, prefiro por agora concentrar-me num exemplo do que para mim pode ser o jornalismo dito de referência. Calhou que na semana passada me viesse parar às mãos um exemplar da Notícias Magazine, revista publicada, como deveis saber, pelo jornal Diário de Notícias. A páginas 8, deparo-me com crónica de animado enlevo pela pena sempre sábia e irreverente da esbelta jornalista Fernanda Câncio. Quererão os leitores deste humilde texto saber sobre que assunto versava a dita. Pois bem, não me é possível satisfazer tal pretensão. Mas o enlevo era inegável, motivado por razões que à pena da jornalista escaparão mas às penas de um homem jamais passam despercebidas. Reparai, caro leitor, na imagem da jornalista sobressaindo no manto de caracteres como só as mais belas flores sobressaem nos mais harmoniosos jardins. Olhei a página e pensei: isto devia ser sempre assim. É verdade que também logo se me formou a imagem no pensamento de uma página como esta assinada, vá lá, por um Pedro Mexia em pose similar, ou um Vasco Pulido Valente, ou um Rui Tavares… Subitamente concluí que, em nome do bom gosto e da nossa sanidade estética, aquilo não deve nem pode ser sempre assim. Mas com a jornalista Fernanda Câncio o grafismo adoptado resulta. Duas páginas depois, tratamento diverso foi dado à socióloga Maria da Paz C. Lima. Na sua crónica, tem direito a pouco mais que uma fotografia algo desenxabida. Nada contra os dotes feminis da autora, entenda-se. Mas por que não permitir à socióloga cativar os olhos dos leitores da mesma forma que à jornalista foi concedido esse direito? Digo mais. Não só estou convencido ser da mais elementar injustiça não oferecer à socióloga Maria da Paz C. Lima uma página com o mesmo charme, como julgo estarmos perante um caso de verdadeira discriminação editorial. Como tal, proponho que em próxima edição a socióloga apareça também em pose atraente e sensual. É uma proposta sincera e honesta, que faço apenas em nome de um jornalismo que se quer cada vez mais de referência e referencial. Porque não desejo alongar-me muito sobre o tema, permito-me apenas terminar com uma humilíssima sugestão que daqui envio à socióloga Maria da Paz C.:

VIVEMOS NISTO

Sabem por que perdi a esperança? Querem um exemplo? Leiam este post e os outros que estão linkados. Diz o Caro Francisco: «Talvez um dia se conte a história. Mas, Caro José, eu sei que você sabe que eu sei que você sabe quem eram «os estrategas da noite». Desde essa noite que perderam várias eleições.» Então fiquem lá com o que sabem que nós ficamos todos mais descansados por sabermos que há gente neste país que sabe tanto do que mais ninguém pode saber. Que topete! Queixem-se do povo.

P.S.: Sobre este tema deixei o seguinte comentário no weblog Defender o Quadrado: «Permito-me acrescentar à tristeza (…) um sentimento de revolta. Tristeza já não chega. É preciso partir para a porrada». A seguir: Eleições autárquicas de 2001. Viciadas? / A credibilidade das eleições / As eleições viciadas. / Os estrategas da noite / As eleições viciadas, 2. / Eleições viciadas? / Agora? (3) / LISBOA A VOTOS, 12 / Sem interesse nenhum / UM PROBLEMA PARA AS ELEIÇÕES EM LISBOA: A SEGURANÇA ELEITORAL / O país visto da Marmeleira / "Quando te vires a afundar num pântano, não tentes sair. Mergulha!” C.G. Jung / … Leiam tudo, os posts são breves, e digam-me lá se a democracia em que vivemos não devia ter estado a votos nas 7 Maravilhas do Mundo.

O CIRCO

Calhou que hoje tivesse lido, na última página do Público, a coluna assinada por Vasco Pulido Valente. Citada quase na íntegra, por Eduardo Pitta, sublinha-se a ideia essencial da mesma: «Nunca houve, que me lembre, uma eleição tão degradante como esta». Esta... é uma daquelas hipérboles com as quais a gente só concorda por, de facto, ser muito degradante a eleição que se avizinha. Por isso mesmo, mantenho o meu desejo.

12.7.07

“MARÇO”, BD portuguesa do melhor



O livro de Miguel Rocha e Alex Gozblau saiu em 2000 pela Baleia Azul. Enredo mínimo de personagens fundidas com o cenário à descoberta de algumas coisas simples e por isso esquecidas: aroma de frutos num mercado ou o belo jantar que se ignorava o que fosse, servido pelo monge: “Minha filha, quando comemos não devemos nunca perguntar o que comemos…as palavras misturam-se com a comida e depois ainda acabamos a saborear preconceitos.”

Manchas de cor intensas de contornos por vezes difusos com excepção da contrastante história a preto e branco traço subindo aos telhados de Lisboa, e a anterior surpreendente declaração da rapariga, óculos azuis e cabelo porventura vermelho, “Oh sim!...Tenho imenso tempo…todo o tempo do mundo”, enquadrando bem os gestos de corpos em metabolismo essencial ao ritmo de passeio, psicológico, de ritual que não se sabe bem qual é.

Vou ali encontrar os livros mais recentes dos autores.

Rui Costa

O Comboio Manhoso


Não pares, não olhes,
e não escutes,
disse-lhe o comboio

naquele quente dia
na estação
de Castro Marim.

E, um pouco
à frente,

ele
não parou

nem
olhou…

só foi pena
não ter
ouvido o apito!

Carlos Mota de Oliveira

Carlos Mota de Oliveira nasceu na cidade de Lisboa, em 1951. Passeou-se pela Escola Primária na ilha de S. Miguel, o Liceu em Luanda e Lisboa, a Universidade na cidade de Évora. Escreve, publica e é publicado desde 1973, ano em que deu à estampa Isabelarcoírisdovinho. Grande parte da sua obra foi publicada em edições do autor, mas tem também livros publicados nas casas editoriais Fenda, Caminho, Teorema, entre outras de menor divulgação. Publicou sob os pseudónimos de Ana de Sá e José Bebiano. »

11.7.07

A VOZ DA EXPERIÊNCIA


Diz-me aqui um amigo que quem paga no princípio não fode, sai fodido. (Ana, juro que o amigo não é imaginário.)

POST RÁPIDO

Não me alongarei sobre este post, até porque já disse o que tinha a dizer neste outro post e noutros mais que agora não me apetece procurar. Quero apenas manifestar o meu repúdio pelo achincalhamento de uma classe à qual, confesso, me apetece cada vez menos pertencer. É que quando se pergunta sobre a culpa do insucesso escolar é bom termos em mente que grande parte desse insucesso começa logo na ligeireza com que se encontram culpados para questões tão complexas. Basta pensarmos um pouco nisto. Queixamo-nos do estado a que chegou a escola em Portugal. De quem é a culpa? Dos professores e de mais ninguém, só pode. Mas e de quem é a culpa do estado a que chegaram os professores? E de quem é a culpa desses professores, todos tão maus, estarem nas escolas? Acabamos com os professores? Acabamos com a escola? De quem é a culpa do estado a que chegou a justiça? Dos juízes? Não tiveram professores? Darão aulas? E na saúde, de quem é a culpa? Dos médicos? Se tiver de ser operado, confiará no seu médico? E na política? Os políticos são culpados do estado a que chegou a política. Só eles, mais ninguém. Quem não tem culpa alguma é o cidadão, pobrezinho, que só está aí para dizer que tudo é mau e ele não tem culpa alguma disso. A culpa nunca é dos cidadãos que apontam o dedo, nunca é da carneirada que de quatro em quatro anos vota sempre na mesma escumalha que nunca quis saber do ensino para nada, da escola para nada, que sistematiza toda uma fábrica de canudos em torno de uma mesma ideia: o sucesso escolar é os meninos passarem de ano, indiferentemente do que aprendam. Aprender, conhecer, saber? Para quê? Há pessoas de valor neste país? Se há, não tiveram professores? Os professores que tiveram, foram maus? Nasceram geniais? Se calhar a culpa é da própria culpa, ou talvez de quem julgue ter que haver um único culpado para aquilo de que ninguém quer ter culpa alguma. Eu sou culpado por este post. Apontem-me à vontade.

10.7.07

O DEBATE

O debate entre os candidatos à CML foi muito esclarecedor, pelo que, em minha opinião, correu francamente bem. António Costa, bastante bronzeado, foi honrado pela iluminação da sala. Sentiu-se tão confortável que começou logo ali, em pleno debate, a distribuir trabalho. O primeiro funcionário a contratar, já o sabemos, será a ex-vereadora-ex-PP-ex-CDS Maria José Nogueira Pinto, que partilha o nome com o candidato do PNR e é da mesma família frutícola de outros candidatos. Já que estamos com a mão na cozinha, falemos de José Pinto Coelho. Apareceu na televisão, o que de si é já um ganho incalculável. Falou muito em tachos, criando, desse modo, um efeito bastante apetitoso se relacionarmos o termo com o apelido do candidato. O tom de voz é algo apagado para um combatente nacionalista, contrastando com o tom de Manuel Monteiro, muito mais enfático e menos parcimonioso. «Privados, privados, privados!» - exclamou, enquanto tracejava na direcção do seu ex-companheiro Telmo Correia a crítica da noite: «O CDS de hoje não é aquele que foi o meu CDS». De Fafe a Faro, toda a gente entendeu que é disso mesmo que Lisboa precisa, ou seja, de um CDS esclarecido e reencontrado consigo próprio. Mas Telmo Correia, ah maganão, não se deixou ficar, aproveitou a deixa de estilo e acusou o candidato socialista de pretender trazer o actual Governo para dentro da Câmara. São tantos que teimo não virem a caber todos. Eis o que Telmo não explicou, eis o que Telmo nunca explicará, pois Telmo é da escola política daqueles para quem tudo se explica por nada ser explicável. Se não entendem, entendam-se: «Sábado: É o homem que assina tudo, como dizia Abel Pinheiro nas escutas do caso Portucale? Telmo: Não era isso que dizia Abel Pinheiro, e tenho alguma dificuldade em comentar uma escuta que está sob segredo de justiça. Quem entender violar o segredo de justiça fá-lo-á e será responsável por isso. Sou testemunha no processo e não faço tenção de violar o segredo de justiça». Depois de ter invocado três vezes o segredo de justiça para explicar o não explicável, Telmo lá aquiesce e manda o segredo de justiça às ortigas: «Não sou manipulável em nenhuma circunstância. Manipular é usar uma escuta truncada para criar uma determinada ideia…» Entendemos e ficamos mais descansados. Adiante. Mais curiosa ainda é a agilidade de Carmona Rodrigues para passar um paninho quente por tudo quanto foi causado pela sua incompetência. Carmona fala como se Rodrigues nunca tivesse existido, Rodrigues faz eco de Carmona como se este fosse a terceira geração dos autarcas portugueses. Há qualquer coisa de esquizóide nesta pose de quem fala como se não existisse, como se não houvesse um tempo anterior àquele em que se fala. Este facto remete-me também para Helena Roseta, que se tem apresentado como uma espécie de beata, diria mesmo uma santa na terra, um anjo, cujo intento é única e exclusivamente Lisboa e os lisboetas. Ela quer a união, ela pede que demos as mãos em nome de uma causa, que nos abracemos, que sejamos irmãos, que comunguemos. Perante tanta oração, fica a dúvida do milagre: são rosetas, senhores, são rosetas. Os bons corações nunca deram bons políticos. De defeito semelhante padecerá o destemido José Sá Fernandes, que gaguejando menos do que é costume, julga ter a seu favor a imagem de inconveniente. Os camaradas do Bloco já deviam ter percebido que em Portugal essa imagem não é lá muito conveniente. Pelo que talvez não convenha muito ao candidato inconveniente continuar a fazer alarde da sua inconveniência. Isso torna-o pouco conveniente com aquilo que mais lhe convém: a Câmara. Aprenda-se com Ruben de Carvalho, arreigado aos ideais comunistas, à palavra de ordem, inconveniente quando é conveniente sê-lo, preciso e meticuloso nos diagnósticos, exaltando-se quando e apenas quando absolutamente necessário para levar a sua avante. Foi claro nas ideias para a cidade: «Honestidade, honestidade e honestidade!» Mais um bocadinho e rimava com os privados do Dr. Monteiro. O que choca é que em tantos anos de Câmara a honestidade de Ruben para pouco tenha servido, ao contrário da honestidade de Sá Fernandes que já serviu, pelo menos, para umas intercalares. Também honesto parece ser Fernando Negrão. Tem um nome que, decididamente, não o favorece. É esse o seu único problema, já que a ausência de ideias substanciais, a péssima campanha e as gaffes recorrentes são um pormenor secundário. É honesto na forma como aponta o dedo, mas esquece-se que, ao apontar um dedo, há pelo menos três que ficam para si voltados. É o candidato do partido que apoiou os principais responsáveis por Lisboa estar de pantanas. Mais pormenores de somenos importância. Valha-nos o fado de Câmara Pereira, que ao menos faz-nos rir (estranho, tratando-se de fado). Este homem que está contra tudo o que seja multa – ouvi eu com estes que a terra há-de comer - tem a seu favor a heteronomia. Tanto pode aparecer como Nuno da Câmara Pereira, Mico da Câmara Pereira ou Gonçalo da Câmara Pereira que ninguém nota a diferença. Porém, anda enganado. Quer a Câmara mas devia dedicar-se à cultura… das pereiras. Já o maior problema de Garcia Pereira é precisamente o apelido, que pode levar as pessoas a confundirem-no com o candidato fadista. Em boa verdade, ele é apenas um candidato fatalista. É, será sempre, apenas e só por isso, o meu candidato, apesar de eu não votar em Lisboa. Há ainda o candidato do MPT. Deixou bem claro ser apenas e só o candidato do MPT. Tudo dito.

ONDJAKI, “OS DA MINHA RUA”

[ONDJAKI, “OS DA MINHA RUA”, Caminho (2007)]


escreve como quem fala: fala.
não se é escritor, por que o resto possa entrar.
quem lá viveu é que sabe, são eles que contam, a vida existe
mesmo - quando o escritor deixa a rua em paz. rua do ondjaki cheia;
de gente que come com a boca que tem e não com a boca do escritor que mente. o escritor sai porque os outros não se querem personagens. um livro sem personagens e sem escritor não é literatura porque a literatura mete as pessoas dentro de personagens e depois elas ficam fodidas da cabeça e só fazem aquilo que as pessoas fazem quando estão a ser descritas, que é a forma que o escritor tem de mostrar que é a pessoa mais solitária do mundo. portanto isto não é literatura, porque a literatura é a coisa mais ausente que o escritor conseguiu encontrar ao fim da outra rua onde nem sequer viveu. de maneiras que num livro assim não há linguagem, porque a linguagem vive de símbolos e os símbolos foram criados por rapazes e raparigas que não chegavam aos sítios com as mãos todas que temos quando nos calha água na boca ou um brilho na cabeça por causa do cacimbo ou do calor. digamos que há voz, falemos outra vez, com o corpo todo que não vai ao fim da rua,
cheiro-te, atinjo-te, agora vês-me,
a promiscuidade é a coisa mais pura que existe.

Rui Costa

OS PROFESSORES DA INÊS


(recebido no e-mail)

9.7.07

ADAPTAR-SE À REALIDADE, ACORDAR PARA O FENÓMENO

1 – Notícia do Público: Bruxelas é a capital europeia do "lobbying", só ultrapassada, a nível mundial, por Washington. Os países do Norte e Centro da Europa souberam adaptar-se à realidade. Os novos membros de Leste estão a começar rapidamente a fazê-lo. Ao contrário, os países do Sul, particularmente Portugal e Espanha, ainda não acordaram para o fenómeno. A explicação passa por uma cultura que estranha e deturpa os objectivos do lobbying. (…) O lobbying, acreditam os defensores da regulamentação, gera transparência - diz de quem influencia as decisões em que nome fala, por quem é financiado e quais são os objectivos e interesses de quem representa. Existem cerca de 13 mil profissionais da pressão activos em Bruxelas, estima a EULobby Network (Elnet, plataforma de lobbistas europeus).

2 – Notícia do Jornal de Notícias: A Polícia Judiciária (PJ) está a investigar o rasto de cerca de 24 milhões de euros que o consórcio alemão GSC, com o qual o Estado português contratualizou a compra de dois submarinos em 2004, transferiu para a Escom UK, empresa do Grupo Espírito Santo (GES) sedeada no Reino Unido. (…) A investigação foi despoletado por conversas telefónicas, alegadamente interceptadas pela PJ, entre o ex-ministro da Defesa Nacional, Paulo Portas, e o ex-director financeiro do CDS-PP, Abel Pinheiro, no âmbito do inquérito-crime "Portucale". (…) Fonte ligada ao processo disse que a Escom do Reino Unido (o GES tem outras empresas com o mesmo nome sedeadas nas Ilhas Virgens Britânicas e em Portugal) poderá ter transferido parte dos 24 milhões de euros para escritórios de advogados, empresas ligadas a tecnologias de ponta e à investigação, ao ramo automóvel e ao sector da construção civil.

3 – Notícia do Correio da Manhã: A empresa municipal que gere os bairros municipais de Lisboa – Gebalis – afixou cartazes a convidar os moradores dos bairros de Marvila para um concerto, que teve lugar ontem, com o cantor Toy, artista que canta o hino da candidatura de Carmona Rodrigues à Câmara de Lisboa. Curiosamente, o presidente da Gebalis, Francisco Ribeiro, ocupa o sétimo lugar da lista do candidato independente.

(sublinhados meus)

ZEN

Os maiores mestres do Zen cultivavam a simplicidade, o desapego, o espírito de pobreza, a compaixão, o amor, a alegria, o equilíbrio e a serenidade. A simplicidade e o desapego são-me inatos. O espírito de pobreza é-me um acidente cada vez mais inevitável. Na compaixão e no amor sou demasiado selectivo. A alegria, em mim, alterna com uma tristeza cortante. Restam o equilíbrio e a serenidade, com os quais tenho muito pouco que ver. Em suma, apesar de me atrair enquanto conceito, ou eu não fui feito para o Zen ou o Zen não foi feito para mim. O que, do ponto de vista do Zen, vai dar ao mesmo.

MARAVILHAS

Não vi o espectáculo das 7 maravilhas. Fui tocar umas guitarradas, com uns amigos, num bar algures numa aldeia que, se bem me lembro, se chama Alto da Serra. Há entrada do bar havia porco no espeto e, lá dentro, um técnico com as calças puxadas ao sovaco controlava a máquina do karaoke. Ouvi canções de Lionel Richie, Phil Collins, Roupa Nova e outras maravilhas do género, cantaroladas com tanto reverb que as vozes pareciam saídas de um túnel de borracha. A festa foi boa, mas maravilhas, por lá, só vi uma. E não sei se chegou a actuar.

P.S. Ouvi dizer que o Cristo Redentor foi eleito como uma das 7 maravilhas do mundo. A minha mãe está indignadíssima, diz que até eu sou mais bonito. Sublinhei o até eu.

ACORRENTADO

A Ana Isabel, d’ o hálito azul da tarde, relançou-me na corrente das últimas cinco leituras. Estive para não responder, por considerar desajustado voltar a agrilhoar-me depois de ter escapado com resposta ao azia. Mas o facto de ter roubado parte da noite de ontem para ver um filme chamado Blood Diamond, leva-me a retomar o assunto. A dada altura, no filme de Edward Zwick, a jornalista Maddy Bowen (Jennifer Connelly) olha para televisão numa esplanada algures na Serra Leoa, vê Bill Clinton desculpando-se pela relação com a estagiária Monica Lewinsky, e comenta para o aventureiro Danny Archer (Leonardo DiCaprio), ex-mercenário do Zimbabué: «O mundo está um caos e só se fala em escapadinhas!» Assim vamos nós, metidos no caos do mundo, sem diamantes à vista, mas atolados em leituras várias. Valha-nos, ao menos, essa distracção. Desde que, permitam-me o tom moralista, não nos sirva apenas para nos distrairmos. Faço, então, uma pequena inflexão na corrente. Ao invés das últimas cinco leituras – pouco há a acrescentar ao que já foi dito, opto por cinco leituras para as férias que se aproximam, distribuídas pelos mares da costa Vicentina, em esplanadas das terras alentejanas e all-garvias. Cá vai:

- Poemas Reunidos, de Gastão Cruz, Dom Quixote, Setembro de 1999;
- Alexandre O’Neill – Uma Biografia Literária, de Maria Antónia Oliveira, Dom Quixote, Janeiro de 2007;
- O Erotismo, Georges Bataille, Antígona, 1988;
- O Lobo das Estepes, Hermann Hesse, Afrontamento, s/d;
- Os Emigrantes, W. G. Sebald, Teorema, Setembro de 2005.

EM QUE VIVEMOS


Tire-se o número e o mês
e o ano
a este clarão diário.

Tire-se a manhã
que o arremessa
- parábola no olho,

as horas fogem de si mesmas.

Sem as paredes noturnas
onde todas as tardes se acomodam
vencidas.

Sem o impulso de ontem e amanhã
a girar-lhe o eixo:

tire-se o número e o mês
e o ano
ao que é vertente

sempre
______________ agora.

Fernando Paixão

Fernando Paixão nasceu numa aldeia próxima de Viseu, em 1955, tendo ido viver para o Brasil com apenas 4 anos. Estudou jornalismo e filosofia, trabalhando como editor na Editora Ática de São Paulo. Estreou-se em 1980, com Rosa dos Tempos, ao qual se seguiu Fogo dos Rios, em 1989. Fernando Paixão é também ensaísta.

5.7.07

UM DESAFIO

À excepção de futebolistas e quejandos, meia dúzia de portugueses vivos com trabalho reconhecido internacionalmente: Paula Rêgo, José Saramago, António Damásio, Maria João Pires, Manoel de Oliveira…

CAGANÇA

O que chateia é que num país de elites mesquinhas, onde meia dúzia de génios, se isso, são reconhecidos na estranja – quase todos a viver fora do país -, onde cá dentro se passa a vida a citar os lá de fora, o que chateia, dizia eu, é que mesmo perante esta constatação inquestionável haja tanta, mas tanta, mas mesmo tanta, cagança neste país.

SE FOSSE O CARRILHO...


A revista Sábado atira-se com garras e dentes de sabre a «sua excelência o senhor doutor António Costa», assim tratado no dito, por este ter recusado falar com os jornalistas da Sábado alegando «não ter gostado de ler uma coluna de opinião publicada na revista». Imaginem se todos os políticos seguissem o exemplo. Teríamos, certamente, uma imprensa muito mais limpa e agradável. Talvez contaminado pelos tais «tiques autoritários» que agora é moda acusar ao (des)Governo do Eng. Sócrates, António Costa preferiu calar o bico a bicar no que julga estar mal. Se isto tivesse sido com Carrilho, ia para aí um ai Jesus de dedos em riste a cuspir acusações de arrogância, vaidade e sobranceria. Mas não. Isto passou-se com o mano do Ricardo da SIC, sem dúvida o candidato mais bem posicionado para chegar à CML. Diz que vai ao colo.

SMS: LEMBRO

Estou no super bock, olho para o placard que anuncia o décimo terceiro... Lembras-te do primeiro companheiro? Estamos velhos como o cacete!! Na doca de alcantra! Dois dias de arromba... Um grande abraÇo e bjs às meninas.. De: R. F.

3.7.07

POESIA DISTRIBUÍDA NO TELEJORNAL

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Enquanto o locutor do Telejornal informa que o novo livro de Harry Potter já tem um milhão de exemplares encomendados, mesmo antes de ser publicado, em rodapé refere-se que há um milhão de desalojados no Paquistão.

INCOMPATIBILIDADES

O Tribunal Constitucional chumbou a lei que pretendia alargar o regime de incompatibilidades aos deputados das Regiões Autónomas. Estes, ao que aparenta, continuam a ser tomados pelo regime como uma espécie de offshore da nação política. As autonomias têm destas coisas. O que eu gostava que me explicassem é o que pode um cidadão fazer no caso de se sentir incompatibilizado com o seu Tribunal Constitucional. Não vale emigrar.

NEGÓCIO DA FRUTA

Espanha dá 2500 euros por cada criança nascida ou adoptada no país. Iam lá desfazê-los? Pois agora vão lá tê-los.

CONFIANÇA POLÍTICA

Em Portugal confunde-se confiança política com subserviência e capachismo. Eu cá, politicamente, só confio em quem discorda das minhas ideias e o diz olhos nos olhos, nariz a nariz.

Juízes, pediatras, joalheiros: cançonetistas
preparam a alvorada da gestão da matéria,
sentem a intensidade das suas existências
como um espectáculo bem remunerado,
mais um, enquanto compõem colarinhos
perante a frieza espelhada do alumínio.
Fatos por medida, iniciam outro dia
pelo incómodo d’um atacador mal laçado:
o que lhes afecta a imaginação ornamental.
Se tudo neles ao fracasso tenho votado,
a começar pela sua indiferença ao alheio,
receio nesta gente com acções e nenhuma
acção directa a ligeireza do seu domínio.
Só rostos parcelares: «fale com o meu
advogado»; micro-excitações em diferido.
Notárias, futebolistas, parteiras: polícias;
e lá vão garantindo a gerência disto tudo.

Paulo da Costa Domigos

Paulo da Costa Domingos nasceu em Lisboa, em Setembro de 1953. Estreou-se em 1972 com Palavras, título retirado do mercado. Alguns dos seus primeiros livros, tais como Gogh Uma Orelha Sem Mestre (1975) e Asfalto (1977), inicialmente publicados pela &etc, têm sido alvo de novas versões, saídas na Frenesi, casa editorial da qual o próprio é editor. Publicou ainda sob os pseudónimos de Celeste Viriato, Eva Blush’ô e Eva Ruivo. Em 1987 organizou, com Al Berto e Rui Baião, a antologia Sião. Colaborador em várias revistas, como a Pravda. Revista de Malasartes, Hífen, Tabacaria, Canal e Bíblia, salienta-se a edição, em 1995, de Carmina – 1971-1994, pela Antígona, onde reviu e reuniu a sua produção poética anterior. Mais recentemente, publicou o volume Nas Alturas (2006).

2.7.07

INCOMPETENTE

Imaginem o que seria fazer-se um programa de televisão sobre jornais, assim como há programas de rádio sobre weblogs. E imaginem que, do leque variadíssimo de jornais que existem no nosso país, o apresentador mencionava sempre os mesmos, assim como o apresentador do programa de rádio sobre weblogs a citar consecutivamente os do seu núcleo restrito de leituras. Imaginem que esse apresentador de televisão só lia o Expresso, o Sol, o Diário de Notícias e o Público, deixando na penumbra todos os outros, do mesmo modo que o apresentador do tal programa de rádio sobre weblogs só lia o Atlântico, o Abrupto, o Blasfémias, o 31 da Armada e mais dois ou três do seu agrado, entre outros tantos para disfarçar a repetição. Conseguem imaginar uma coisa destas? E ao imaginarem uma coisa destas acham que estão no plano da realidade ou da ficção? E se tal acontecesse, o que chamariam vossemecês a um apresentador deste género? Incompetente?

ARteoRIA #11 – Telepenso

Agora todas as mulheres terão a possibilidade de se emanciparem com a tecnologia mais avançada através do Telepenso da terceira geração; todas se sentirão mais seguras e absorvidas usando este novo pensomóvel com alas, desenhado de forma a abrir e fechar na mão por magia, que se adapta ergonomicamente a todas as partes do corpo feminino, incluindo as mais íntimas. Devemos à invenção da máquina a emancipação da mulher na sociedade moderna, sobretudo depois do electrodoméstico, fenómeno que também libertou o homem no mundo pós-feminista, com a emergência metrossexual; como resposta para as novas exigências femininas no quotidiano cada dia mais independente, que se tornou exemplo para os homens livres também, foi possível chegar ao Telepenso, o primeiro três em um que permite a mulher viver a sua verdadeira contemporaneidade após longas pesquisas nas áreas da comunicação; o Telepenso foi pensado como objecto revolucionário para o conforto de certos dias do mês, mas também tem múltiplas funções diárias, foi criado para as verdadeiras necessidades de cada mulher; já era a altura de surgir um hi-tec que afastasse as mulheres do estigma dos panitos das suas avós: o Telepenso é tão fino e seguro que nem se dá por ele, é um penso que funciona como meio de comunicação, originando ainda novas formas prazer; foi criado para as exigências do séc. XXI, porque a sociedade onde o homem inventou o avião, conseguindo voar muito antes de se pensar num penso higiénico está morta; chegou a altura de compensar as mulheres pela sua insignificância no passado, o Telepenso é a resposta tecnológica multifuncional para as mulheres do futuro.

#1 #2 #3 #4 #5 #6 #7 #8 #9 #10
Maria João

NÁUSEA


era uma colina sem centauros
(nem desejos)
uma colina sem delírios nem sextantes
onde o maduro tempo
(e a regular sangria)
era roupa lavada

era um martírio a jusante
sem golpes nem porfias
onde a regimental usura
punha excessivo rigor
sobre a vida mal passada

era uma culpa assestada
no olho aberto do ovo
que ardia chama incessante
sem áureo corte
(rasante)
quando a vontade era nada

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Antonio Fernando de Franceschi nasceu em São Paulo no ano de 1942. Formado em Filosofia, publicou o seu primeiro volume de poemas, Tarde Revelada, em 1985. Com esse livro recebeu o Prémio Revelação Jabuti, tendo a sua obra posterior sido várias vezes premiada. Foi director de redacção da revista Isto É e ocupou vários cargos como conselheiro editorial.

1.7.07

NO TEMPO DAS CEREJAS


Comovente. Amália, em inglês, no Ultraperiférico.