31.5.05

POST-SCRIPTUM

Quem sou?
De onde venho?
Eu sou o Antonin Artaud
e basta dizê-lo
como sei dizê-lo,
imediatamente
vereis o meu corpo actual
voar em estilhaços
e em dois mil aspectos notórios
refazer
um novo corpo
onde nunca mais
podereis
esquecer-me.


Tradução de Aníbal Fernandes.

Antonin Artaud nasceu em Marselha no dia 4 de Setembro de 1896. De saúde frágil, sofreu as primeiras crises mentais aos 16 anos. Após 6 anos de internamento, reuniu os seus primeiros poemas sob o título Tric Trac du Ciel (1924). Contactou com Breton, que acabara de publicar o primeiro manifesto do surrealismo, e aderiu ao Movimento Surrealista. Quatro anos depois, entrou em ruptura com o movimento e fundou o Teatro Alfred Jarry. Apareceu, como actor, em filmes de Dreyer, Gance e Morat. Entretanto foi dando à estampa poesia, novelas e ensaios acerca do denominado Teatro da Crueldade. Fracassado no seu país, Artaud partiu para o México – de onde regressará apenas em 1937. Por essa altura, levou em Dublin uma existência absolutamente precária. Expulso da Irlanda, no regresso a França foi detido e conduzido ao asilo de Sotteville-lès-Rouen. Viria a permanecer 10 anos em absoluto recolhimento, a maior parte dos quais em Rodez. Em 1947, de regresso a Paris, era já aclamado como um dos grandes visionários do teatro contemporâneo. Faleceu no dia 4 de Março de 1948.

30.5.05

COM DEDAL, AGULHAS, PANO CRU

Com dedal, agulhas, pano cru
já me urdiam o signo.
Desse velado feito de colossos,
eis o indício, no tempo,
alarmando a casa toda:
um dedo que o sangue perla.

Ainda têm o fio da meada;
eu apuro o da navalha
.


Fotografia respigada ao Silêncio.

Sebastião Alba, pseudónimo de Dinis Albano Carneiro Gonçalves, nasceu no dia 11 de Março de 1940. Aos nove anos foi com a família para Moçambique. Em 1961 desertou do Contingente Geral, onde fora arregimentado. Acusado de extravio de objectos militares, foi condenado a quinze meses de reclusão por um Tribunal Militar. Em 1965 publicou o seu primeiro livro: Poesias. Exerceu jornalismo e casou. Entre 1975 e 1977 foi nomeado pela FRELIMO Administrador da Província da Zambézia, leccionou Economia Política e fixou-se em Maputo. Em 1983 abandonou Moçambique e fixou-se em Braga, com a mulher e duas filhas. Em 1988, foi alvo de várias tentativas de desintoxicação na Casa de São João de Deus. Já separado, refugiou-se no álcool e tornou-se andarilho. Em 1997, já depois de ver a sua obra reunida sob o título A Noite Dividida, ganhou o Grande Prémio de Poesia – Imobiliária Teixeira & Filhos, de Braga. Morreu a 14 de Outubro de 2000, vítima de atropelamento.

29.5.05

- ESTES VERSOS ANTIGOS QUE EU DIZIA

- Estes Versos Antigos Que Eu Dizia
Ao Compasso Que Marca o Coração
Lembram Ainda?... – Lembrarão um Dia…
- Nas Memórias Dispersas Recolhidas
Sequer, na Piedosa Devoção
D’Algum Livro de Cousas Esquecidas?
- Acaso o que Ora Canta… Vive… Existe
Nunca Mais Lembrará – Eternamente?...
- E, Vindo do Não-Ser, Vai, Finalmente,
Dormir no Nada… Majestoso e Triste?...

Ângelo de Lima nasceu no Porto no dia 30 de Julho de 1872. Filho do poeta Pedro de Lima, começou a frequentar aos 10 anos de idade o Colégio Militar (Lisboa). Expulso do Colégio Militar, regressou ao Porto em 1888 onde se inscreveu na Academia das Belas Artes. Enviado para Moçambique em 1891, viria a regressar a Portugal no ano seguinte. Por esta altura começou a denunciar os primeiros indícios de loucura. Foi internado no Hospital do Conde de Ferreira em 1894, sendo mais tarde recolhido no hospício dos Irmãos de S. João de Deus e, finalmente, em 1901, no Hospital Rilhafoles. Os seus primeiros poemas foram publicados em 1915 no segundo número da revista Orpheu. Morreu em 1921.

28.5.05

PALAVRAS

Machados,
depois do seu golpe a madeira ressoa,
e os ecos!
Ecos que partem
do centro, semelhantes a cavalos.

A seiva
jorra como lágrimas, como
água capaz de lutar
para refazer o seu espelho
sobre uma rocha

que cai e se transforma,
uma branca caveira
consumida pelas ervas daninhas.
Anos depois
encontro-as na estrada…

Palavras secas e sem cavaleiro,
infatigável ruído de cascos.
Enquanto
do mais fundo do lago as imóveis estrelas
regem a vida.


(tradução de Maria de Lourdes Guimarães)


Sylvia Plath nasceu no dia 27 de Outubro de 1932 em Boston. Mostrando-se excelente aluna, desde muito cedo ganhou os seus primeiros prémios literários. A sua mãe viria a retratá-la, mais tarde, como uma jovem dividida entre a esperança e um temperamento profundamente depressivo. Em 1953 tentou suicidar-se pela primeira vez. Casada com Ted Hughes desde 1956, de quem viria a ter dois filhos, nunca aprendeu a viver com as suspeitas de infidelidade do marido. Viria a suicidar-se em 1963, após a separação com o poeta inglês. Nesse mesmo ano foi publicado, sob o pseudónimo de Victoria Lucas, o seu romance autobiográfico intitulado The Bell Jar. A reunião da sua poesia, editada por Ted Hughes em 1981, ganhou, a título póstumo, o Prémio Pulitzer. Há livros seus traduzidos para português na Assírio & Alvim e na Relógio D’Água.

27.5.05

EU QUERIA UMA MULHER QUE…

Eu queria uma mulher que
estivesse numa companhia de dança e
fosse um golpe comunista
dos antigos.

o que eu queria mesmo era trabalhar
numa sapataria cumprimentar as senhoras
apertar-lhes o pé
puxar-lhes o fecho da bota
deixar a mão sobre as canjas.

o que era bom era uma multidão
e tu a plenos pulmões
e nós por todo o lado no meio daquilo tudo
e nós num dia destes.

o que era mesmo bom era levar
o meu amor a casa.

e de volta
sintonizá-lo numa canção de rádio.

Nuno Moura

Nuno Moura, alfacinha de gema, nasceu em 1970. Ex-jogador de pólo aquático, ex-professor de natação, ex-criativo de publicidade, ex-editor, ex-copywriter, poeta. Da sua geração, é o poeta que possui os melhores títulos: Não saia nem entre após aviso de fecho de portas (Signo, 1993), Soluções do problema anterior (& etc., 1996), Nova asmática portuguesa (Mariposa Azual, 1998), Os Livros de Hélice Fronteira, Regina Neri, Vasquinho Dasse, Ivo Longomel, Adraar Bous, Robes Rosa, Estevão Corte e Alexandre Singleton (Mariposa Azual, 2000) e Calendário das dificuldades diárias (& etc., 2002). Gosta de ler poesia a solo, em duo (CoPo), acompanhado (Ventilan). Participou em várias revistas da especialidade e está representado nas melhores antologias.

26.5.05

OS VERSOS SÃO POEIRA FECHADA

Os versos são poeira fechada
de um meu tormento de amor,
mas lá fora o ar é correcto,
instável e doce e o sol
fala-te de caras promessas,
por isso quando escrevo
afundo a cabeça na poeira
e desejo o vento, o sol,
e a minha pele de mulher
contra a pele de um homem.


(tradução de Clara Rowland)

Fotografia encontrada em Palabras Malditas.
Alda Merini nasceu em Milão no dia 21 de Março de 1931. Publicou o seu primeiro livro, La presenza di Orfeo, em 1953. Já antes, em 1947, começara a sentir as primeiras manifestações de uma doença que a levaria a 20 anos de silêncio poético e a vários internamentos em clínicas e hospitais psiquiátricos. Em 1955 nasceu a sua primeira filha. Dez anos depois, Alda foi internada no manicómio Paolo Pini, o qual viria a abandonar apenas em 1972. La Terra Santa, marcará o seu regresso às lides poéticas.

25.5.05

MY WORK

My work
is prose and poetry
but I like more Rose
than dinasty.
My Rose
is mine
and dinasty
I have no one.
Poetry only
is my dinasty
my work
but I like prose too
when I am with Rose
comprennez-vou?


fotografia de Miguel Carvalhais
António Gancho nasceu em Évora em 1940. Cliente assíduo de hospitais psiquiátricos, passou a fazer parte integrante da Casa do Telhal em 1967. Foi Herberto Helder quem primeiro reparou na sua poesia, tendo sugerido à Assírio & Alvim a publicação de O Ar da Manhã (1995) – reunião, em quatro partes, da maioria do labor poético de António Luís Valente Gancho. Compõem O Ar da Manhã os conjuntos: O Ar da Manhã (1960/1967 – 36 poemas), Gaio do Espírito (Dez. 85/Fev. 86 – 30 poemas), Poemas Digitais (Jun. / Jul. 89 – 50 poemas) e Poesia Prometida (Dez. 85 – 10 poemas).

24.5.05

CANÇÃO PARA UMA DISCOTECA

Não temos fé
no outro lado desta vida
só nos espera o rock and roll
disse-o a caveira que tenho entre as mãos
dança, dança o rock and roll
para o rock o tempo e a vida são uma miséria
o álcool e o haxixe não dizem nada da vida
sexo, drogas e rock and roll
o sol não brilha para o homem,
tal como o sexo e as drogas;
a morte é o berço do rock and roll.
Dança até que a morte te chame
e diga suavemente entra
entra no reino do rock and roll.


LMP

Leopoldo María Panero, irmão de Juan Luís Panero, nasceu em Madrid em 1948. Uma experiência de vida atribulada, marcada pelo alcoolismo e consumo de heroína, conduziu-o à depressão e, consequentemente, a várias tentativas de suicídio. Depois de lhe haver sido diagnosticada esquizofrenia, foi internado em vários hospitais psiquiátricos. A sua poesia, de pendor claramente autobiográfico, espelha a sua atitude radical e autodestrutiva. É também autor de traduções, ensaios e narrativas.

23.5.05

Queres uma flor?

Se quiseres uma flor, não venhas aqui.